[O Último Virtuoso] Capítulo 6 - SHINOHANA
Capítulo 6 – SHINOHANA
“O amor pode
morrer na verdade. A amizade na mentira.” Abel Bonnard
Por questão de poucos centímetros eu não fui
atingido por uma faca que veio voando de forma quase certeira. Ou foi muita
sorte, ou Marcella estava com uma mira muito boa. A partir daquele momento eu
tinha certeza que não estava lidando com a mesma mulher que havia enfrentado há
poucos dias. Ela estava estranha. Seu olhar... E que fetiche por facas era esse
que ela tinha?
— Posso ter errado uma vez, mas não pretendo repetir
o mesmo erro da próxima. E você, o que vai fazer? Não vai usar o seu olhar?
Aquela mulher estava com sede de sangue. Não posso
falar muito, pois sou dessa forma em alguns momentos. Mal sabia ela que estava mexendo
com alguém muito pior.
— Pensei ter dito a você pra não se meter e nem
aparecer no meu caminho — digo a ela.
— Conhece essa mulher? — pergunta James.
— Infelizmente. Até agora não tomou jeito e continua
insistindo em fazer algo que não consegue.
— Não consigo? Tolo... Não sou a mesma daquele dia.
Realmente está pedindo pra ver do que sou capaz.
— Cachorro que muito late não morde.
Marcella me surpreende e em segundos havia me
agarrado por trás e estava me apertando. Como ela tinha força! Impossível! Ela
segura em meu pescoço e começa a me enforcar. A cada segundo eu me sentia mais
sufocado. Não conseguia nem pensar em como reagir. Ela estava apertando de uma
forma que acelerava o sufocamento. Isso era coisa de assassino e não era a
Marcella que eu conheço.
— Leo... Você é tão prepotente e se garante. Agora
que sou um ser evoluído não deixarei que o último virtuoso viva!
— Último virtuoso? — James se pergunta baixinho.
— Marcella...
Eu não conseguia falar quase nada e aquela vadia me apertava
cada vez mais forte. Ela me tirava qualquer poder de reação com a forma
diferente de apertar. Olhei em seus olhos notei algo estranho. Pareciam mais
dilatados que o comum e aquelas olheiras não pareciam apenas de alguém que
perdeu o sono. Se eu tivesse como reagir de alguma forma...
— Apenas morra lentamente, louco e assassino da
própria mãe — diz isso e dá algumas risadas irônicas.
Para a minha surpresa, James acerta a cabeça de
Marcella com um pedaço de madeira e ela cai desmaiada. Finalmente eu conseguia
respirar. Ele logo me ajuda e pergunta se eu estava bem.
— Estou recuperando minha respiração — respondo
ofegante — valeu mesmo!
— Será que bati muito forte na cabeça dessa mulher?
Vai que a matei sem querer...
— Se a matou, ela foi tarde.
— Não diga algo assim, Leo. Minha intenção não foi
essa.
— Essa mulher é uma víbora louca pra dar um bote e
matar a sua presa estrangulando. Espera...
É exatamente isso. James...! — gritei, mas já era tarde demais.
Marcella estava de pé e nesse momento agarra James por
trás e o aperta. Ela tinha a força de uma cobra. Era exatamente isso que ela
parecia ser nesse momento.
— Largue o James agora! Isso é entre eu e você —
digo olhando seriamente para a face dela.
— Ele tentou me matar, não foi? Que tolo! Sob o
efeito da shinohana eu sou
invencível!
— Shino... Hana?
— É o mínimo que eu poderia fazer caso quisesse
acabar com você!
— Esse nome... Parece nome de droga.
— Cale essa maldita boca! — aperta James mais ainda —
Se continuar falando demais eu mato seu namorado gerente do bundão.
—Nós não somos namorados sua retardada!
— Então quer dizer que posso mesmo matá-lo?
Eu costumava não me importar com quase ninguém.
Tanto é que depois de tudo que aconteceu nunca procurei sequer alguém dos
tempos de faculdade. Pouco ou nada sei da vida deles. Mas agora tinha algo
errado. Eu não queria que ela matasse James. Deve ter sido por causa daquilo
que fiz hoje... Droga! Isso não pode estar acontecendo. Não posso confiar em
ninguém! Todos os seres humanos se aproximam de você, fingem ser quem não são e
depois se revelam com uma facada em nossas costas. Como a minha mente estava
conturbada. Não sei se a minha crise existencial no momento era maior que o
sofrimento de James. Eu sei que ele tentava se segurar ao máximo que podia.
Daqui a pouco ela quebraria todos os seus ossos e ele estaria morto... E isso
não era brincadeira! Marcella estava sob efeitos dessa tal shinohana e não
exitaria em fazer nada disso.
— Que divertido... Estou começando a atingir seus
ossos. Acho que não serão tão difíceis de quebrar. Vamos começar pelos ossos
das pernas e...
— Pare! Você não vai fazer mais nada! Se é a mim que
você quer, largue o cara e resolva sua situação comigo.
— Arrogante como sempre... É você mesmo, mas quero
ver a sua expressão de ódio ao me ver matando esse cara. Isso tudo me excita,
você não tem noção.
— Apenas o solte agora...
— Leo... Fuja daqui, por favor — fala James com
muita dificuldade.
— Eu não vou abaixar a cabeça pra essa mulher e pro
idiota que ela trabalha. Isso tudo é apenas o começo e eu já sabia que
enfrentaria algo desse tipo. Só não esperava ser você, Marcella. Tão animada...
Com seu jeito maluco e sempre em busca de um namorado durante a época da
faculdade.
— E daí? Você acha que eu realmente dava a mínima
pra você?
— A mínima não, mas quase tentou dar outras coisas.
— Apenas pra provocar ciúmes no Phi... Não importa!
— Você ia dizer algo, não ia? Continue.
— O que eu vou continuar a fazer é estrangular e
matar esse lixo aqui. Sinto o poder da força percorrendo meu sangue. E cada vez
aumenta mais. Sou imbatível! — ri alto.
Eu sabia que ela tinha citado um nome e não
continuou falando. Sabia que isso estava relacionado com quem estava por trás de
tudo isso.
— E quanto ao bem estar social, luta por direito das
pessoas e todos os ideais que você falava e lutava tanto? O que aconteceu com
você, Marcella?
Por alguns segundos, ela para de apertar James e
fica meio pensativa. Era possível ver a tristeza no fundo dos seus olhos.
Marcella havia entregado sua vida a alguma coisa estranha e tudo mudou. Ela
parecia não ter realizado mais seus sonhos. Talvez tenha até perdido a vontade
de tê-los.
Percebo que algumas lágrimas escorrem dos seus
olhos, disfarçadamente. Tento não me comover com aquilo e quando tudo parecia
tomar um bom rumo, ela sorri maliciosamente e volta a apertar James. Dessa vez
ele não se conteve e soltou um grito alto. Não dava mais pra me segurar. Aquela
mulher havia passado dos limites e estava prestes a matar alguém que não estava
nem envolvido com essa história. Eu com certeza seria o próximo. Já era hora de
dar um basta nisso. Era hora de finalizar esse ser.
Sinto uma sensação estranha no corpo. A frieza e um
toque de raiva me preenchiam enquanto caminhava lentamente na direção de Marcella.
Apenas estendo a minha mão direita e seguro o braço dela. Marcella olha em meus
olhos e nota que eu não estava brincando. Aperto e ela imediatamente solta o
James enquanto gritava de dor.
— O que você fez, desgraçado? — se contorcia de dor no chão.
— Nunca mais volte a cruzar o meu caminho outra vez.
Não terei piedade.
Olho para James e o chamo para sairmos dali. Ele
estava muito fraco e eu o ajudei a se levantar. Marcella pula por cima de mim e
me agarra. Ela começa a me apertar com mais força ainda. Parecia que meus ossos
iam se partir. Já chega. Aquilo tinha sido a gota d’água. Algumas pessoas não
merecem mais chances, pois elas sempre pisam e voltam a fazer a mesma coisa.
Marcella desconhecia mais um dos meus dons. Ele estava na minha mão direita. Um
grande erro dela foi me agarrar de um jeito que a deixou livre. Consegui
movimentá-la e a atingi com um forte golpe. Naquele momento eu havia acabado de
deslocar um de seus ossos. Algo não muito difícil pra mim. Ela fica
impressionada e pergunta se eu era um demônio ou algo do tipo. Seu olhar de
ódio misturado a pânico me deixaram mais animados, por mais estranho que possa
ser.
— Apenas usando de mais um dom que você não
conhecia. Aliás, tenho últimas coisas a te dizer. Seu maior erro foi ficar ao
lado de alguém que não vale nada e tentar me destruir. Tentar destruir o último
virtuoso. Adeus, Marcella!
Nesse momento eu ia mesmo acabar com tudo isso. Ia matá-la
ali e naquela hora. Porém, antes de fazer qualquer coisa, escuto o som de um
carro em alta velocidade fazendo uma curva bem próxima dali. Rapidamente seguro
no ombro direito de James e digo:
—Apenas me siga!
Apesar de estar assustado com tudo, ele me obedece e
nos escondemos atrás de algumas árvores. Era uma parte não muito longe de onde
tudo aconteceu. Estávamos correndo o risco de alguém nos descobrir ali. Se
fosse a polícia então...
O carro chega e freia bruscamente. Era um automóvel
enorme. Observo em silêncio cada detalhe e do carro sai um homem de jaleco.
James olha com espanto e diz que o conhecia. O motorista do carro sai logo em
seguida. O homem de jaleco começa a fazer alguns procedimentos médicos e checa
se Marcella estava viva. Ela começa a tossir e cospe sangue, desmaiando logo em
seguida.
— Algo de muito grave? — pergunta o motorista.
— Não sei se ela vai sobreviver... Primeira vez que
consumiu shinohana e pelo que vi, ela
parece estar com alguns ossos deslocados.
— Acha que foi aquele cara?
— Eu tenho certeza... Ele é extremamente perigoso.
Mas não discutiremos isso aqui. Pegue uma maca que está lá dentro e me ajude a
transportá-la para dentro do carro. Phillip vai ficar furioso...
Quem será esse tal de Phillip que esse cara havia
acabado de citar? Agora as coisas começavam a fazer sentido. Quando Marcella
citou que fazia aquelas coisas pra provocar ciúmes em um “Phi” ela devia estar
se referindo a esse cara. Algo me diz que preciso descobrir o sobrenome e
encontrá-lo. Ele pode ser a chave do paradeiro daquele maldito.
Rapidamente, Marcella havia sido transportada para
dentro do automóvel e o motorista sai na mesma velocidade absurda. Esse cara
devia andar a uns 120 km/h. Seguro o braço de James e digo que era melhor
esperarmos mais um pouco.
— Eles já foram embora. Acho que é perigoso ficarmos
nessa praça após tudo que aconteceu.
— É aí que você se engana. Aprendi a desconfiar de
tudo e todos. Por segurança, acho melhor ficarmos um pouco aqui e aguardarmos.
Aliás, que sorte... Parece que não viram o seu carro.
— Estacionei bem mais distante. Mas se eles tiverem
prestado atenção, dava pra vê-lo.
— Realmente. Aquele doutor me intrigou... Ele olhava
desconfiado pra todos os lados. Com certeza deve ter notado algo.
— Leo, o que ele quis dizer quando citou um cara
perigoso?
— Com certeza se referiu a mim. Quero saber de onde
é que ele me conhece.
— Isso surpreende até a mim. Acho que poderíamos ir
para um lugar mais tranqüilo e conversar, que tal? Pode ser no meu apartamento...
— Você quer apenas conversar mesmo? Porque tem algo de
pé e louco pra sair da sua calça encostando em mim que indica que você talvez
queria outra coisa, não é mesmo?
— Desculpe. Estamos tão perto e colados... — fica um
pouco envergonhado — Apesar desses momentos de tensão que passamos agora fiquei
assim. É você...
— James, sobre o que aconteceu hoje eu posso te
explicar. Não é bem o que você ta pensando.
— Sei,sei... Você não quer compromisso, não é? Sou
adepto desse lema também — pega no meu rosto — Estou louco pra ver seu
desempenho em um tipo de coisa mais íntima. E não me leve a mal... Meu
interesse é apenas sexual. Você é muito interessante, mas tá pra nascer alguém
que me prenda. Ninguém conseguiu e nem vai conseguir isso, acredito. Fique
tranquilo e não precisa deixar de ser meu amigo.
Rapidamente tiro a mão dele do meu rosto e antes que
pudesse dizer qualquer coisa, um carro chega. Dessa vez era alguém que eu
conhecia. Era a Marky. Essa linda apareceu pra me salvar. Me despedi de James e
pedi desculpas pelo ocorrido. Ele diz que tentaria passar na empresa amanhã,
mas que só poderia retomar o projeto depois que terminasse de resolver alguns
assuntos na S&S.
— Mestre, esse é seu príncipe encantado que te faz
de princesa?
— Que pergunta é essa, Marky?
— Foi o Lucas que disse quando ligou te procurando
agora pouco.
— Maldito anão! Depois me acerto com ele por
envenenar a sua cabeça com essas coisas.
No caminho contei tudo o que aconteceu à Marky. Ela
ficou chocada e achou engraçado o fato de eu ter ficado com James. Isso não era
engraçado! Era trágico isso sim.
— Mas sabe que no fim das contas tem algo que achei
muito estranho.
— E o que foi?
— James... As reações dele após toda a tensão que
passamos. Quase morremos na mão daquela mulher. Ela estava diferente e possuída
pelo que chamou de shinohana. Apesar das feições de espanto... Ele mudou
completamente depois. Como se já tivesse visto coisas do tipo, sabe?
— Está achando que esse cara...
— Sim... Estou começando a achar que ele não é
apenas um arquiteto e gerente de uma empresa de financiamentos.
— Mestre... Está dizendo que ele pode ser um...
— Um anti-virtuoso! Assim como Marcella e Thales.