[O Último Virtuoso] Capítulo 7 - Amanda Belmonte
“O rosto enganador deve ocultar o que
o falso coração sabe.” William Shakespeare
Naquela mesma
noite eu procurei falar com o Lucas. Algo me incomodava e queria que ele pesquisasse
a respeito da tal ‘shinohana’. Ele me retorna alguns minutos depois.
— Isso é uma droga da mais alta classe já
encontrada. Bem cara e sobrenatural.
— É algo que eu percebi. Como te disse, ela se
transformou em alguém completamente diferente. Tinha a força de uma cobra
apertando alguém. Ela realmente podia ter nos matado.
— Como se você fosse deixar ser pego tão
facilmente... Conta outra.
— Isso não vem ao caso... O que mais encontrou a
respeito?
— O nome é japonês e significa “flor da morte”. Essa
droga tem a capacidade de conceder atribuições especiais como força, poder e
até inteligência a quem consumi-la. Tudo depende de como reage com o organismo
do usuário. As de classe ‘D’ duram no
máximo uma hora.
— Impressionante e ao mesmo tempo muito perigoso.
— E como é. Só que apesar do nome, nem tudo são
flores. Os poderes são temporários e a droga é traficada em classes
correspondentes a sua duração. A de classe ‘D’ dura até uma hora. A ‘C’ dura
três horas. Já as de classe ‘B’ e ‘A’ duram seis e doze horas, respectivamente.
O maior problema é que a shinohana provoca efeito de dependência, como toda
droga, e destrói parte do sistema imunológico do indivíduo cada vez que é
usada. O seu uso contínuo pode causar a morte.
— Esperado. E quanto a sua venda?
— Não é fácil de ser obtida. Primeiro porque é muito
cara. Segundo por ninguém saber a identidade e os distribuidores nunca venderem
no mesmo lugar por mais de uma vez.
— Como será que a Marcella conseguiu isso?
— Deve ter desembolsado uma boa grana. Afinal, ela
achava que ia te matar com isso. Ou então, usou de outros métodos pra
conseguir.
— Eu acho que tem algo maior por trás de tudo isso.
Enfim, no momento tenho que continuar focado. Como eu te contei antes, o James
parecia ter reconhecido aquele doutor. Uma pena que não me falou nada. Algo me
diz que esse cara só vai falar algo depois de sexo. Seres humanos...
— E por que já não tá lá de quatro esperando ele na
cama? Vá logo. Talvez nem doa tanto e você consegue a informação pra prosseguir
com seu plano.
— Claro! Vou até vestir só um avental e lambuzar
todo o meu corpo com chantilly. Palhaço! Adicione mais um soco que te darei pra
quando nos encontrarmos pessoalmente.
— Estou falando sério. Use dessa arma e obtenha as
respostas do James. Vai que esse cara tem contato ou relação com o outro que
estou desconfiando ser o da foto.
— Eu nem sei se ele vai querer falar comigo. James
descobriu e viu muita coisa. Apesar de tudo ainda tenho minhas desconfianças...
Ele pode ser um deles.
— Quanto a isso, tome muito cuidado. Tentarei
pesquisar algo a respeito, mas agora tenho que terminar alguns capítulos.
Aproveite da arma que você tem, conselho de amigo.
— Certo... E obrigado pelas informações. Nos falamos
depois.
Após desligar o telefone, apenas me deito na cama e durmo
em poucos segundos. Estava muito cansado. Algo já me dizia que a partir dali eu
não teria mais descanso.
Vários dias se passaram e James não havia aparecido.
Eu estava fazendo toda a parte principal do projeto sozinho. Pior que não achei
estranho esse sumiço dele. Depois de tudo o que viu, ele com certeza deve
pensar que sou um assassino. Mas quem liga?
No meio da semana seguinte, logo pela manhã, Anne
entra em minha sala, usando uma roupa extremamente curta e apertada, e diz que
precisava me apresentar alguém.
— Honey,
ela está ali fora ainda. Essa garota é considerada um gênio e se formou na
faculdade aos vinte anos. Muito bem recomendada, ela vai trabalhar na parte de
marketing e divulgação do projeto, incluindo o grande evento que já é daqui
três semanas.
— Nossa, depois de tudo isso quero até saber quem é
essa tal garota gênio. Pode pedi-la para entrar.
Uma garota... Espera! Uma mulher com cara de garota
entra em minha sala. Ela tinha cabelos azuis, lisos e longos. Seu rosto era
lindo e seus olhos brilhavam mais que qualquer pedra preciosa que já vi em toda
minha vida. Meu coração de repente dispara. Que estranho! A mesma sensação que
senti quando conheci James. Será que ando tendo problemas em conhecer pessoas
novas? Só pode ser... De qualquer forma eu não conseguia olhar pra ela sem
mostrar que eu estava completamente envergonhado. Aquela garota estava mexendo
comigo sem sequer abrir a boca. Certeza que ao fazer isso quebraria o espelho
da ilusão.
— James, essa é Amanda Belmonte.
— Olá, Leo... Cavallini, não é?
— Isso! — gaguejo e quase não consigo confirmar.
— Bom, vou deixar os dois a sós para conversar mais.
Honey, qualquer coisa me chame!
Tchauzinho!
Anne deixa a sala e chegou o momento em que eu
deveria tomar coragem e conversar com essa garota gênio. Algo já me dizia que
eu não ouviria coisas muito boas, só de observar como sua feição havia mudado
com a saída de Anne da sala.
— Bem... Amanda, já que trabalharemos juntos no
momento e você precisa de informações a respeito... — fui interrompido.
— Primeiramente gostaria de estabelecer normas de
convivência entre nós dois. Me chame de senhorita Belmonte. Não temos
intimidade para que me chame de outro jeito, senhor Cavallini.
O que essa garota estava dizendo? Que eu deveria
tratá-la formalmente o tempo inteiro?
— Outro ponto importante é sobre esse projeto. Como
vou cuidar de toda a divulgação e organização do evento, devo dizer que
encontrei vários erros cometidos — retira algumas folhas cor de rosa de sua
pasta e as coloca sobre a minha mesa — Leia e conversaremos sobre o projeto
depois que você corrigir todos esses erros.
Eu só podia estar ouvindo coisas. Essa garota estava
querendo mandar em mim e modificar todo o trabalho que fiz. Se fosse no passado
era capaz de eu estar me sentindo mal e pedindo desculpas agora... Mas as
coisas não eram assim. Pego as folhas cor de rosa e observo que ela tinha uma
letra bem bonita e fez questão de escrever tudo colorido e mais claro possível.
Olho para ela e rasgo as anotações em quatro pedaços. Amanda arregala seus
lindos olhos e fica em choque ao ver minha atitude.
— O que acabou de fazer com as minhas anotações? Que
falta de profissionalismo é esse? — se levanta e fala com o tom de voz
alterado.
— Amanda... E antes que me interrompa é assim que eu
irei te chamar, quer você queira ou não. Eu sou o arquiteto chefe desse projeto
e as coisas serão feitas conforme eu decidir. Ao invés de me trazer uma lista
de erros e fazer as suas exigências, você deveria ter conversado primeiro. Não
vou ceder a nenhum capricho seu.
— Eu... Eu... — mal conseguia acreditar no que tinha
ouvido e demonstrava estar muito nervosa.
Eu me aproximo muito dela, com o rosto e tudo. Notei
que ela tinha ficado envergonhada.
—Se quiser pode ir direto no presidente da empresa.
Ele sabe do meu trabalho e profissionalismo. Não há o que questionar aqui. Aprenda
a falar comigo e me pedir as coisas, garota gênio.
— Seu grosso, idiota e imbecil! — grita e sai
correndo da sala.
Acho que talvez tenha sido um pouco de cada e no fundo
não dava a mínima. Já deixei passarem por cima de mim no passado. Hoje ninguém
faz isso. Não sou adepto a teorias machistas em que no fundo é a mulher quem
manda no homem, já que tudo que ele faz é em pró de conquistar alguma. Pra mim
ninguém tem que estar no poder. O que deve existir entre os dois é respeito.
Mas não vou ficar pensando mais sobre isso. Sei que essa garota vai voltar
aqui. Se ela é um gênio e possui um currículo impecável, não vai querer manchar
seu nome. Devo confessar que também preciso acertar os detalhes com ela. Faltam
apenas três semanas!
Durante aquela semana, dia após dia, Amanda aparecia
em minha sala com uma nova proposta. Sempre tudo do jeito dela, com condições e
tudo circulando da maneira que ela queria. Recusava uma após a outra e isso a
deixava possessa de raiva. Surpreendentemente, não recebi nenhum chamado do
presidente ou qualquer outro superior. Ela não havia comunicado ninguém e
estava tentando resolver tudo sozinha. Que orgulhosa essa menina, hein.
Eis que no último dia da semana, no final do
expediente, eu estava com algumas pessoas já montando a base da maquete e
detalhando algumas coisas. Amanda aparece e me chama para conversar. Aproveitei
que já estava de saída e a chamei para conversamos fora dali. A conversa rolou
enquanto caminhávamos pelas ruas.
— Não é que eu tenha me dado por satisfeita, mas
posso relevar todos esses erros. A única coisa que te peço educadamente é pra
mudar a distribuição dos locais para a imprensa ficar.
— Apenas a olho sem dizer nada.
— Por favor — Me pede com um olhar diferente e dessa
vez eu vi que ela tinha derrubado o próprio orgulho pra pedir algo do tipo.
— Bem... Aceito! Agora que você desceu do seu salto
e decidiu acatar as ordens de quem realmente está no comando, podemos trabalhar
juntos.
Notei que ela olha para mim e fica totalmente
desconcertada por algum motivo.
— Como disse, não é que eu esteja satisfeita com
essas condições ou algo do tipo. Mas não recusarei um trabalho grandioso como
esse assim tão facilmente. Não pense que vai ser fácil pra mim ter que
trabalhar com você. Um cara que deixa erros assim passarem por despercebido e
que não tem tanto comprometimento com...
Nesse momento nossos lábios haviam se encontrado.
Ela não parava de falar enquanto eu observava seus lindos olhos e aquele corpo
frágil e delicado, então resolvi puxá-la e beijá-la. Eu a segurei pela cintura
e ficamos assim por alguns segundos. Senti que ela correspondeu um pouco, porém
logo me empurrou.
— O que pensa que está fazendo? Seu tarado!
— Você não parava de falar sem parar... De repente me
deu vontade de fazer isso.
— Isso é um absurdo! Ainda sou obrigada a trabalhar
com um cara desse tipo. Francamente!
— Você nem pode reclamar. Estamos fora da empresa e
aqui já é considerada vida pessoal. No fundo eu sei que gostou, não precisa
tentar disfarçar.
— Eu? — faz
uma cara de nervosa — Eu não gostei de nada disso aqui! Você é a pessoa mais
irritante que eu conheço! Passar bem arquiteto idiota!
Amanda praticamente sai correndo. Eu achei aquilo
bem engraçado no fim das contas. Eu estava seguindo meus instintos. Confesso que
a beijei porque quis também. Ela era realmente muito atraente, apesar de tudo. Me
lembra muito uma garota que gostei nos tempos de ensino médio. Era outra que
nunca mais tive contato.
Ao viajar mentalmente por alguns instantes ao passado,
uma chuva de memórias cai na minha cabeça. Lembro do corpo da minha mãe jogado,
minhas mãos manchadas de sangue, o sorriso falso de Thales, e um grupo... Era o
grupo de pessoas que eu conheci na época da faculdade. Como estariam eles hoje?
Nunca mais tive contato e nenhum deles sequer me visitou naquele local
infernal... Eu fiquei sozinho por tanto tempo. A verdade é que nenhum deles
nunca se importou. Um bando de cadelas do Thales. Não sei como encararia se me
encontrasse com algum deles... Esses pensamentos mexiam comigo no momento e mostrava
o quanto eu deveria prosseguir e encontrar aquele maldito.
No meio do caminho, encontro James. Ele olha pra mim
com certa expressão de felicidade e me cumprimenta com um abraço.
— Leo! Que bom te ver, rapaz!
— James... Você sumiu hein.
— Desculpe por isso. Eu realmente fiquei muito
confuso com tudo que aconteceu e precisava fechar alguns contratos antes de
entrar totalmente no projeto.
— Eu já esperava isso. Só fique sabendo que eu tenho
os meus motivos pra estar fazendo tudo isso.
— Entendo... — se aproxima de mim me olhando com
muita malícia — Eu não sei o porquê, mas... Ficar uma semana longe de você me
deixou estranho. Acho que temos que conversar algumas coisas — coloca a mão no
meu rosto.
Eu já sabia o que estava por vir. Apesar de estar
suspeitando dele, sabia que essa seria a chance e eu faria o que fosse possível
pra obter as informações que eu precisava. Correspondi ao beijo. Naquele
momento Amanda surgiu em minha mente. Porém, James estava mexendo comigo da
mesma forma que ela mexeu. No fundo, admito que já estava começando a me
interessar pelos dois. Isso seria um problema se continuasse, mas... Eu já
estava ali e não tinha mais volta. Alguns
minutos depois não estávamos mais ali naquelas ruas... Estávamos entrando no
quarto de James. Era hora de encarar pela primeira vez algo diferente em minha
vida. Sei que no fundo o meu futuro dependeria disso. E como...
[CONTINUA...]